quinta-feira, 19 de maio de 2011

Tudo bem ser diferente?

Todd Parr é um autor norte-americano que já publicou vários livros. Um deles, em especial, está guardado com carinho na minha estante: Tudo Bem Ser diferente, publicado pela editora Panda Books.

De forma bem lúdica, a publicação mostra às crianças a importância de se descobrir (e se aceitar) diferente no mundo – por tabela, também nos ensina que ninguém é obrigado a ser igual ao outro. “Tudo bem ter um dente a menos”, aponta o livro. “Tudo bem precisar de alguma ajuda. Tudo bem ter uma cor diferente. Tudo bem ter rodas. (…) Tudo bem ter vindo de um lugar diferente. Tudo bem ter orgulho da gente mesmo. (…) Tudo bem ser diferente. Você é especial e importante apenas por ser como você é”.

Direcionado ao público infantil, a obra de Todd Parr entrou na minha vida há três anos - como presente de aniversário de uma amiga para o meu filho – e deveria ser adotada como livro de cabeceira para muitos adultos – principalmente aqueles que, por algum motivo, perderam coração e sensibilidade para discernir sobre o que realmente importa na vida.

Digo isso porque me entristece muito quando vejo crianças, jovens, adultos ou idosos sendo discriminados por sua idade, cor, opção sexual, jeito de se vestir ou de falar. De forma geral, não sabemos lidar com o que não é unanimidade. Reagimos de forma agressiva, passional ou mesmo irracional com o que não reflete como narciso no espelho. Pior: tomamos o gesto de ignorar o outro como veste e o forçamos a se resignar em viver à margem, habitar apenas espaços pequenos na sociedade. Levamos quem é diferente a se contentar com o que sobra e a aceitar a exclusão como algo natural.

Em reportagem recente da Folha de São Paulo, um pai denunciou que foi levado a se retirar de um restaurante porque estava acompanhado de uma criança com necessidades especiais.
http://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/917390-pais-afirmam-que-restaurante-expulsou-crianca-com-disturbio.shtml

Fiquei chocada com a história não apenas porque o pai da criança é um amigo de infância, mas principalmente por ver como nós, seres humanos, estamos perdendo a oportunidade de avançar em busca da excelência e de nos tornarmos pessoas melhores. Veja abaixo o relato dos pais da criança e o divulgue, caso considere importante contribuir com as discussões sobre o tema.

DENÚNCIA DE PRECONCEITO

Animados pela boa recepção da crítica especializada à cozinha do Epice (Rua
Haddock Lobo, nº 1002), recentemente em viagem a São Paulo fizemos reserva para
um jantar com familiares e amigos para o dia 14 de maio último passado, às 20 horas
(a pedido do restaurante, a reserva foi postergada em trinta minutos, devido a um atraso na abertura do estabelecimento).

No ato da reserva, em conversa telefônica com a Srª Lara Aboul Ezze Ddine, sócia do restaurante, destacou-se que um dos integrantes do grupo seria uma criança, no caso, o nosso filho. Com tranqüilidade, ela respondeu que não haveria problema. A reserva foi feita sem qualquer hesitação ou resistência.

Detalhe: o nosso filho é uma criança maravilhosa de sete anos e meio de idade e que apresenta um distúrbio neurolinguístico, denominado semântico pragmático. Trata-se de um distúrbio de espectro autista, cujos sintomas principais são dificuldade em se socializar e na comunicação.

No dia da reserva, fomos até o restaurante, juntamente com o nosso filho. No local nos aguardavam George Salomão Leite, irmão deste que subscreve, e a esposa dele, Walquíria. Ambos foram bem atendidos. O couvert foi servido normalmente, junto com as bebidas solicitadas.

Todavia, o que para nós seria um jantar agradável em companhia de pessoas queridas, revelou-se, na verdade, um pesadelo.

Assim que chegamos ao Epice, ainda enquanto nos acomodávamos à mesa, fomos abordados pelo Sr. Pedro Keese de Castro, outro sócio da casa e que, nitidamente, dirigia o restaurante na ocasião. Em tom nervoso e de pé, em frente à nossa mesa, e referindo-se ao nosso filho, ele começou a relatar que se preocupava com o bem estar dos demais clientes e que não poderíamos perturbar o jantar das demais pessoas.

Criou-se uma situação extremamente constrangedora. Ficou bastante claro que o Sr. Pedro estava incomodado com a presença do nosso filho e, pior, ficou ainda mais nítido que ele não tinha a menor idéia de como lidar com a situação. Ou seja, ele estava diante de uma criança com necessidades especiais, que, conforme a percepção dele, “colocaria em risco” a tranqüilidade dos demais comensais e, em razão disso, a única medida possível que ele vislumbrou foi nos afastar do interior do restaurante.

Não há dúvida alguma de que os fatores que chamaram atenção do Sr. Pedro foi o gestual estereotipado que o nosso filho apresenta às vezes, como também o emprego da fala em um tom acima do adequado para uma conversa (como ele se comunica em algumas situações), já que, assim que nos sentamos à mesa, a criança começou insistentemente a pedir suco.

Ressaltamos que nenhum transtorno foi causado aos demais clientes, que jantavam normalmente e assim permaneceram. Até mesmo pelo fato de que a nossa permanência no Epice seguramente não ultrapassou os sete minutos.

Feita a abordagem por ele, fomos embora imediatamente. Inclusive, ele permaneceu de pé, na cabeceira da mesa, durante todo o tempo, até que fossemos embora.

O chocante dessa história toda é que fomos “convidados” a ir embora do restaurante por um único motivo: o fato de o nosso filho apresentar necessidades especiais.

Destacamos que o distúrbio que o nosso filho apresenta não é motivo para que outras pessoas sejam invadidas em sua privacidade e sujeitas a qualquer incômodo. Parece-nos bastante justo que quem se dirige a um restaurante ou a outro local público, em busca de lazer ou de outra programação, tenha assegurado o direito a permanecer em paz e tenha a sua esfera pessoal preservada.

Entretanto, reforçamos que nenhum mal estar, incômodo ou inconveniente de qualquer espécie foi causado, até mesmo por não ter havido tempo hábil para tal, vez que fomos obrigados a deixar o Epice ainda enquanto nos acomodávamos à mesa.

Também é importante relatar que o nosso filho (até mesmo por determinação terapêutica) convive socialmente com todos e, destaque-se, tal convivência é absolutamente harmoniosa. Rotineiramente, ele é levado por nós a restaurantes, shoppings, parques, cinemas, em viagens e em nenhuma outra ocasião tivemos qualquer problema conforme o que agora é descrito.

Sem correr risco de erro de julgamento, não há a menor dúvida: fomos “convidados” a sair do restaurante pelo fato de alguns sintomas do distúrbio que o nosso filho apresenta terem sido exteriorizados em nossa chegada ao Epice.

Sobre a atitude do Sr. Pedro, é possível qualificá-la como preconceituosa, inaceitável, imoral e, principalmente, ilegal. Trata-se de uma postura intolerante, incivilizada e desrespeitosa com o ser humano.

De se lamentar que, nos dias de hoje, ainda haja lugares cuja política seja pautada na exclusão daqueles que são “diferentes”, que estão fora do padrão de “normalidade”, em nome do respeito ao “bom gosto” e à “etiqueta”.

Importante ainda destacar que a Srª Lara, embora não tenha participado ativamente do episódio, a tudo presenciou sem intervir em nenhum momento, de modo a corrigir o Sr. Pedro ou a repreendê-lo. Permaneceu em silêncio durante todo o tempo, em comportamento que ratificava a atitude do sócio.

Diante desse fato vergonhoso, não volto mais ao Epice. Há outros bons restaurantes em São Paulo que, além de boa comida, respeitam os seus clientes apesar de suas particularidades.

Cordialmente,

Glauber Salomão Leite

Carolina Valença Ferraz



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